segunda-feira, 30 de junho de 2008

Resenha sobre o livro: CONRAD, Joseph. O Coração das Trevas.

Resenha sobre o livro

CONRAD, Joseph. O Coração das Trevas. São Paulo, Martin Claret, 2006.

O livro intitulado “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, é uma leitura interessante e que agrega muito por uma série de fatores. Em primeiro lugar, está repleta de simbologias, que podem passar despercebidas por um leitor menos atento. Como fundamento para estudo Histórico pode-se afirmar que este livro não se enquadra, se não para compreendermos o significado de algumas questões teóricas sobre nossos tempos atuais. Digo que não se enquadra por se tratar de um romance e, como tal, não poder ser usado para estudo de História. Contudo, um olhar crítico sobre estas páginas vai nos revelar a visão de um autor sobre sua época, sobre a interpretação de mundo dele – que não poderia estar descolada das outras interpretações, de seus contemporâneos. Em segundo, essa visão encontra ecos até os dias atuais e isso é uma brecha para abordamos questões tão importantes como Colonialismo ou Orientalismo.
O livro inicia-se com um iate de cruzeiro, de nome Nellie, navegando o Tamisa, que é obrigado a ancorar para esperar a maré vazante. Os personagens vão sendo mais ou menos colocados, como peças em um jogo, mas não são realmente usados. à exceção do narrador. Este é também o personagem principal, que vive as aventuras no continente distante e inóspito. A princípio não sabe-se nada dele, mas ele vai se apresentando aos pouco.
Seu nome é Marlow. Ele é um experiente navegador. Logo no início, o narrador vai traçando o perfil daquilo que vê e de como as coisas ao alcance da vista estão sendo filtradas em razão das experiências vividas no passado. E é justamente uma dessas experiências que ele passa a contar, enquanto todos naquele iate de cruzeiro esperam a vazante.
A história é a respeito de um europeu típico de sua época. Queria conhecer o mundo e, como ele mesmo conta, na infância o mundo parecia suficientemente inexplorado para que desejasse isso. Ficava olhando os mapas e, quando via um ponto não conhecido, colocava seu dedo sobre ele e dizia que, quando crescesse, iria até lá. É um retrato tipicamente romantizado do europeu conquistador por natureza, que desde a mais tenra idade já se descobre com vocação exploradora. Já adulto, como Marlow mesmo afirma, o mundo não é tão inexplorado assim. Contudo, um de seus grandes fetiches desde a juventude – um grande rio africano – reaparece em seu caminho agora, justamente quando está em busca de um emprego que conseguiu graças a ligações sociais importantes de sua tia. Ele mesmo diz que nunca gostou de usar “desses métodos” para conquistar o que deseja, mas que, como não era possível chegar onde queria com seus próprios esforços, se viu obrigado a tanto. Consegue, com isso, uma “entrevista”. Nessa companhia, uma sociedade comercial, Marlow vê na parede o tão sonhado rio, que era marcado em um mapa com a cor amarela. “Uma zona morta”, nos informa, que há muito tinha sido preenchida com nomes, rios e lagos, numa clara indicação de que a região já havia sido explorada e devidamente catalogada.
Assim, devidamente aceito graças aos contatos de sua tia, o personagem principal começa sua jornada de aventura em busca do desconhecido, ao menos para ele. Recebe um barco a vapor, ao qual se agarrará como se fosse um deus tecnológico ao longo de sua jornada. O barco, em si, também é uma alegoria. Como Marlow passa a viver em um local que em tudo o remete aos primórdios da humanidade, onde tudo era desconhecido e o medo era o companheiro inseparável da coragem que se precisava ter para sobreviver, a embarcação significa o resto de civilidade que ele era capaz de reconhecer. Nem as casas, as ruas de terra mal conservadas ou os utensílios escapavam de uma deformidade em função da coexistência com o passado. Sem o barco estaria perdido. Sem o vapor – a tecnologia – seria impossível a sobrevivência; aparentemente é a única coisa capaz de transpor as barreiras e levar o homem ao seu destino: o inexplorado.
O autor passa boa parte da obra descrevendo a natureza e seus contrastes. Tudo é analisado em função da relação que esta tem com as coisas da civilização. Os contrates geralmente se dão entre claro e escuro (um reforço à idéia por trás do título), mas também entre o presente e o passado. É interessante, agora, analisarmos o título que recebe o livro. O Coração das Trevas tem um duplo significado. Em primeiro lugar, refere-se ao lugar na África onde Marlow encontra-se na aventura. Lá está o centro – o coração – de um lugar que está há séculos de sua época. A utilização da palavra “trevas” remete a Era das Trevas, uma época há muito passada mas que em alguns muitos lugares do mundo ainda parecia coexistir com o tempo presente.
O segundo sentido está na definição do conceito de Orientalismo, apresentada por Edward Said em seu texto de mesmo nome. O coração representa a humanidade – as pessoas nativas - que existe por trás de uma atmosfera feroz e hostil. Logo no início, o narrador nos diz que Marlow não era uma pessoa típica, seu entendimento das coisas não estava inserido dentro, mas também fora dos acontecimentos. Assim, conseguia compreender as coisas com mais clareza que seus contemporâneos. E isso é dito de forma clara para demonstrar que apesar de viver nessa época, não entendia alguns valores que circulavam então. Assim é que, mesmo no mais remoto lugar em que já estivera, não consegue ver os negros escravizados simplesmente como animais. A princípio, animais e africanos são confundíveis, mas isso cessa ao pisar em terra firme. Ali, vai em vários momentos se referir enfaticamente aos escravos como homens, num claro juízo de valor sobre o tratamento que recebem, sem nenhum tipo de direito de defesa.
Digo que Said se enquadra nesta análise por um motivo muito claro. O choque de civilizações provocado por essa aventura é bastante óbvio. Não só por ela, certamente: toda a expedição afim de explorar riquezas naquele continente está inserida num contexto de invasão, de intromissão. A floresta a todo tempo, como nos narra Marlow, parece querer os engolir. Tudo é sombrio, sinistro. Os nativos são parte dessa natureza e, como tal, segundo visão colonialista, também são passíveis de exploração. E essa exploração só é possível graças à estranheza com que podem ser vistos estes habitantes tão diferentes do povo europeu. O olhar sobre o outro é uma marca de todas as épocas e aqui é uma ferramenta clara de justificativa quando se trata de simplesmente confundir os homens explorados com a selva e suas fortunas em marfim.
Todo o contexto tem grandes doses de loucura, uma loucura engraçada, que a princípio são homeopáticas. “Não entendia porque nos comportávamos como lunáticos”, vai dizer o autor à certa altura. A loucura chega aos poucos, conforme a viagem vai se desenrolando. Marlow está agora em busca do Sr. Kurtz, que é descrito como um grande homem, mas que também parece ocupar sua posição de prestígio graças, assim como o personagem principal, aos seus contatos na Europa. A alegoria nos mostra um homem a frente de todos os outros, mas que foi incapaz de equilibrar coragem com prudência e agora, doente, está há muitos quilômetros de contato com a pequena aldeia em que Marlow se encontrava.
Assim, o deus de metal segue o curso do rio até Kurtz. No caminho, são atacados por nativos, embora dentro da embarcação também houvesse nativos, sendo estes últimos “civilizados”. Na verdade, estes foram adestrados, como o narrador nos conta. Entendem o motor a vapor com um demônio aprisionado, que caso não fosse alimentado procuraria vingança; e assim, apesar de se dizer tão diferente dos outros, o autor mesmo passa a idéia de que Marlow, no fundo, também compreendia os africanos como incapazes, canibais que só entendem sua própria língua e pensamento. Se algo de útil tem de lhes ser ensinado (embora útil apenas para os colonizadores) tem que ser de forma fantasiosa, onírica, pois era a única forma que entendiam.
Para além da questão civilizatória, já explicada, outra questão muito importante presente no livro é sobre o texto “Tudo que é sólido desmancha no ar”, de Berman Marshal. A modernidade é uma armadilha de onde os homens não podem mais sair. É impossível para um europeu como Marlow sobrevier sem seu vapor. E, por isso, é preciso levar civilização – entendida muitas vezes como uma “exploração construtiva” a partir do momento que leva a civilização aos não civilizados, lhes ensina um ofício – mesmo que dele não tirem proveito algum a não ser uma suposta elevação enquanto ser humano. É o discurso desdobrado a partir do Iluminismo: é preciso levar a luz onde houver trevas, que os países colonizadores levaram até as últimas conseqüências. Marlow é, ainda, o jovem herói Saint-Preux realizando seu movimento exploratório do campo para a cidade.
Para concluir, é preciso reforçar o que foi dito no início. O livro em sai não pode ser fonte de estudo Histórico, no sentido factual, uma vez que é um romance. Entendido isso, mostra sem dúvida o conhecimento de Joseph Conrad acerca de temas tão importantes para nossos dias, e que foram vividos por ele em seu auge, durante o século XIX. O personagem principal está cumprindo uma função iluminada, saciando uma vontade inata e ajudando o leitor a compreender o mundo com outros olhos. Apesar disso, é um homem de seu meio e o choque de civilização que ele sofre ao chegar ao Coração das Trevas é aquele que seria sentido por qualquer europeu que percorresse os destinos de uma jornada em busca de algo que nem ele mesmo sabia o que era, mas que no final acaba por justificar a busca com um sentido mais nobre, e até mais humano. A mentira final é a mentira que conta-se para justificar a exploração, a miséria de nossos tempos, e a justificativa para ela. O personagem principal não faz parte da história de Kurtz e da fotógrafa, mas entrou nela sem querer, como qualquer um de nós na alegoria de nossos tempos, tão apavorante quanto a selva enfrentada na história. Ainda assim, ao final de toda história particular, a modernidade segue seu curso, parecendo conduzir “ao coração de imensas trevas”.
Bibliografia

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. “Introdução: Modernidade – ontem, hoje, amanhã”. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.
SAID, Edward. Orientalismo. São Paulo, Companhia das Letras. Introdução.
HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988. Introdução.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

HIRSCHBIEGEL, Oliver. A Queda - As últimas horas de Hitler. Alemanha, 2004. DVD, 156min. color, son.

HIRSCHBIEGEL, Oliver. A Queda - As últimas horas de Hitler. Alemanha, 2004. DVD, 156min. color, son.

O filme começa com uma sena peculiar: um grupo de jovens alemãs. Dentre eles, uma será escolhida para ser a secretária de Adolf Hitler (Bruno Ganz). Sobre o objetivo do filme, poderia ser dito que, como diz o título, é retratar os últimos dias da Segunda Grande Guerra. No entando, o filme é imensamente mais o do que isso. Esta cena inicial é de 1941. A seguir, estaremos em 1943, passando assim a narrar os últimos espasmos de um 3º Reich agonizante e de uma Alemanha já invadida, enquanto Hitler e seus aliados pessoais encontram-se dentro de um bunker. São os útimos momentos da guerra.
A história, que foi baseada em dois livros ("No Bunker de Hitler: Os Últimos Dias do 3º Reich", de Joachim Fest e "Até a Hora Final: A Última Secretária de Hitler”, de Traudl Junge e Melissa Müller) conta não a história de um assassino monstruoso, como estamos acostumados a receber a imagem de Hitler tanto no cinema quanto em nosso imaginário, mas de um homem obcecado por suas próprias ideologias. Esse, talvez, seja o grande mérito do filme: mostrar um lado que poucas pessoas se deram conta de que existe porque nossa cultura, temendo repetir erros, passa a contar o passado como faziam os monges da Idade Média, acrescentando moral no meio de cada história que era passada, sem chances do ouvinte refletir sobre o exposto.
Em nenhum momento o filme deixa de mostrar o quão cruel Adolf Hitler foi para com aqueles a quem perseguia. Contudo, o que Olivier Hirschbiegel nos traz é um Hitler capaz de demonstrar afeto, compaixão, e de despertar adimiração àqueles que acreditam em sua causa. É um Hitler que pode amar (animas e pessoas) e que acredita que suas ideologias farão do mundo um lugar melhor. É um Hitler que mata violentamente, mas que não é 24 horas um assassino. É um personagem histórico e sobretudo humano, que está tão cego por sua megalomania que usa mapas e bonecos para organizar contra-ataques com exércitos que já nem existem mais.
É realmente muito mais cômodo conceber o ditador como uma máquina de matar, assim como os nazistas como sendo um conjunto único de alienados sem caráter, sedentos por sangue. E é justamente por isso que A Queda! foi tão criticado quando se deu seu lançamento. O enredo não conta somente a história da Segunda Guerra Mundial. Relata a história de Traudl Junge (Alexandra Maria Lara), secretária do Führer, uma moça que, por ser próxima, recebe uma atenção até carinhosa de seu patrão ao longo do filme. É emblemática a cena na qual Traudl acaba por dormir mais do que deveria e, ao se dirigir pedindo desculpas a Hitler por ter se atrasado, é recebida com um gesto de compaixão de quem tinha consciência de que a guerra era um remédio amargo, ao dizer: "Conseguiu descansar um pouco?".
O filme tenta passar uma aura de imparcialidade a todo momento. Contudo, o fato de não fazer maiores referências às tropas norte-americanas, é, em si, um fato que delimita o grau de importância que, para o autor da obra, tiveram as tropas soviéticas, o que não tira o mérito do conjunto.
Outro ponto importante abordado é a população. O filme vai mostrar um povo que está em grande parte unido e disposto a todos os sacrifícios para que o Reich atinja suas metas e seja vencedor. Quando os pequenos simpatizantes do regime nazista, mergulhados na atmosfera que envolvia a todos dentro da Alemanha, resolvem pegar em armas, a idéia de que não são andróides assassinos lutando, mas pessoas que podem ter sido fiéis às suas crenças, apenas terem se deixado levar por promessas que não chegaram a compreender muito bem, ou até mesmo não tiveram oportunidade para decidir coisa alguma. Afinal de contas, Hitler era extremamente carismático, capaz de fazer multidões se atirarem à morte por ideais e esperanças tão absurdas.
Na mesma linha de cegueira, temos um Goebels que não desiste, e um Adolf Hitler que, até os últimos segundos, acreditou que poderia reverter o quadro geral da tomada de Berlim. Magda Goebbels (Corinna Harfouch) é capaz de envenenar seus próprios filhos pois acredita que eles não suportariam viver em um mundo sem o nazismo. Enquanto alguns soldados querem fugir, outros querem lutar até o fim. Assim, temos pessoas que lutam contra pessoas em uma guerra tenebrosa que aniquilou milhões de almas e foi fruto da intolerância de parte a parte.
Uma obra como esta só pode acrescentar aspectos positivos, tanto ao cinema quanto à História, ao trazer à luz debates com os quais o grande público não está acostumado a se deparar. A violência no filme é um fator que mostra a realidade, enquanto a humanidade de Hitler, apesar de toda a sua sede por poder e de toda a violência que causou, é mais que real. Entender todos os traços que caracterizam um personagem histórico como esse é obviamente muito mais construtivo para as pessoas que assistem ao filme, mas também é construtivo quando traz à discussão um tema tão controverso e que não deve, jamais, ser reduzido a um simples movimento intelectual estereotipado e medíocre.

CARION, Christia. Feliz Natal (Joyeux Noël). França/Inglaterra/ Alemanha, Sony Pictures, 2005. DVD, 116 min. color. son.

CARION, Christian. Feliz Natal (Joyeux Noël). França/Inglaterra/ Alemanha, Sony Pictures, 2005. DVD, 116 min. color. son.

O filme Feliz Natal está na lista daqueles que filmes que não podemos ver e sair do mesmo jeito que éramos antes. O filme conta com atores da França, da Alemanha, da Inglaterra e da Escócia. Mas o fato que nos permite vislumbrar a mensagem do filme logo nos primeiros minutos é que cada um destes atores fala a sua própria língua no filme. A obra não se enquadra, portanto, dentre as tantas outras que retratam a guerra de uma forma bizarra e distante, que procura mostrar somente um lado da história e geralmente baseando o desenrolar dos fatos em uma língua principal, deixando que o “inimigo” fale a língua estrangeira (chegando alguns ao cúmulo de sequer colocar legenda, demonstrando a idéia de desprezo que seus produtores pretendem passar para com o “outro lado”).
Assim, a história também tem vários personagens principais. Por isso mesmo, estes são apresentados um tanto quanto superficialmente. Essa visão faz parecer que, de uma certa forma, todos ali são mocinhos e bandidos, todos estão certos e errados. Não um juiz ou um vencedor. Não há nem mesmo um parâmetro, apenas... pessoas.
E é com essas pessoas, tão comuns e diferentes, que no campo de batalha acabam praticamente iguais, que a narrativa é construída. Do lado alemão, podemos admirar um tenor famoso denominado Sprink (Benno Furmann) que é convocado para servir na guerra como soldado raso. Este, ao longo do filme, como uma das cenas nos mostra (cena na qual sua mulher o visita e pretende que levá-lo de volta para casa), acaba por acreditar ser de fundamental importância na guerra. Sua mulher é Anna Sorensen (Diane Kruger), que consegue uma autorização especial para visitar o front do próprio Kiser, com a desculpa de organizar um recital. Já junto aos britânicos, temos os irmãos William (Robin Laing) e Jonathan (Steven Robertson), além do padre da igreja que frequentam, Palmer (Gary Lewis). Do lado francês, o tenente Audebert (Guillaume Canet) e o general Français (Bernard le Coq), que é oficial superior direto e também pai do primeiro.
O filme retrata uma guerra. E como tal, estamos acostumados a conceber uma trama intrincada de interesses maiores. Geralmente esquece-se que estes fatores levam a atitudes precipitadas ou pensadas, mas que acabam não só por ganhar ou perder uma guerra, mas acima de tudo a mudar a vida de pessoas. Assim, Christian Carion nos apresenta uma obra rica em mostrar aquilo que é faz com que toda e qualquer guerra aconteça: as pessoas.
Há, no filme, uma crítica imensa ao fato de os idealizadores das guerras não estarem no campo de batalha, mas seguros em seus lares. É exatamente isso que faz com que, no natal de 1914, os soldados saiam de suas trincheiras e resolvam, a despeito da guerra, confraternizar. O filme, com isso, pretende mostrar que as pessoas estavam ali simplesmente porque não puderam fazer outra escolha. Caso pudessem, teriam voltado para suas casas e para suas vidas normais. O que diretor pretende mostrar é que todos ali eram iguais e que, na verdade, não se odiavam.
A verdade é que as ideologias que estudamos são feitas por pessoas. Mas quais pessoas? Seria interessante que, mais vezes, fosse possível fazer esta reflexão. Muitas vezes, a homogeinização do estudos das guerras pode parecer didática, mas esconde outras questões que são fundamentais para entender o todo dos acontecimentos. Sabe-se que não seria interessante para um tenor estar num campo de batalha. Ele acreditava na guerra, ou apenas se sentia obrigado? Pode-se culpar um padre por estar contra ou a favor de uma guerra?
Ao confraternizarem, os personagens reais mostram que cada vez menos havia lugar para uma alienação quanto às vontades e conhecimento de seus próprios interesses e vontades. É no período que a produção retrata que grandes movimentos contestatórios estão surgindo em toda parte no que diz respeito às ideologias em voga. No entanto, ao retratar isso na película, o diretor quer informar ao público que deve-se haver cada vez menos espaço para uma caracterização tacanha de eventos que tiveram importância tão grande para que a sociedade se desenvolvesse e evoluísse nos moldes em que se encontra em nossos dias.
Fazer um tenor simplesmente se levantar de sua trincheira e cantar, segurando uma árvore de natal um tanto quanto improvisada, para um monte de gente às quais deveria odiar (ou, ao menos, querer que estivesse mortas), pode dar um certo tom cômico à cena. Contudo, é determinar que uma “orquestra” de gaitas de fole será tocada para acompanhar um suposto inimigo que torna a cena quase constrangedora de tão bela. O autor não está apenas querendo dizer que todos devem confraternizar pois o bem comum é mais importante. Nem tão pouco está querendo passar alguma mensagem natalina. É, mais que isso, uma chave que nos permite entender que todos que ali estiveram já percebiam que não tinham nada a ganhar com a guerra.
Em suma, é mais um filme interessante para discutir temas que são pouco abordados em conversas, livros ou em sala de aula. É importante que sejam discutidos os principais atores da história das grandes guerras, que não são somente os estados, os interesses comerciais, coloniais ou expansionistas: são também os interesses humanos que moldam a história. É preciso problematizar para que ambos os aspectos sejam levados em conta quando se trata de temas tão complexos, como é o caso deste filme.

domingo, 8 de junho de 2008

POLANYI, Karl. A grande transformação. São Paulo, Campus, 1980. Capítulo 12

Fichamento do texto 8 – POLANYI, Karl. A grande transformação. São Paulo, Campus, 1980. Capítulo 12

No capítulo intitulado “O Nascimento do Credo Liberal”, Karl Polanyi vai nos mostrar como o “radicalismo liberal” se desenvolve e quais caminhos segue durante sua existência. O credo liberal, como ele se refere, “só assumiu seu fervor evangélico em (...) uma economia de mercado plenamente desenvolvida”. “O liberalismo econômico não era mais que uma tendência espasmódica até duas gerações mais tarde” vai dizer, com relação a tentativa comum de se antecipar o laissez-faire para a época em que a palavra foi usada pela primeira vez.
Diz também que os fisiocratas exigiam “a livre exportação de cereais para garantir rendas melhores paras os fazendeiros”. “Para os demais, a sua orde naturel nada mais era do que um princípio diretivo para a regulação da indústria e da agricultura”.
“Na Inglaterra”, vai prosseguir, “o laissez-faire (...) foi interpretado de forma muito estreita: ele significava apenas libertar-se das regulamentações da produção”. Ainda sobre a origem e o valor inicial do termo: “as origens do livre comércio da indústria di algodão são realmente um mito. A indústria só queria libertar-se da regulamentação na esfera da produção, pois a liberdade na esfera da troca ainda era considerada um perigo”.
Seu próximo assunto diz respeito ao ambiente social e trabalhista que essa época vivia. “Enquanto o efeito moral dos abonos não reduziu a capacidade produtiva do trabalhador, a indústria podia até ver o abono familiar como uma ajuda” pois “tornava-se muito importante existir um fundo de mão-de-obra móvel à disposição da indústria”. Eis o motivo dos ataques que o Act os Settlement teve por parte da indústria.
Nos anos 1830 o liberalismo econômico atingiu, segundo o autor, o ápice, como uma “cruzada apaixonante”. “A classe manufatureira pressionava pela emenda da Poor Law, uma vez que esta impedia a criação de uma classe trabalhadora industrial”. Isso indicaria a importância da criação de um mercado livre e o tamanho da miséria às “vítimas do progresso”.
“Os Principles de Ricardo (...) insistiam na necessidade de abolir o sistema de abonos” de forma gradual. Porém, com a classe média na frente da vida política, a partir de 1832, a Poor Law foi intensificada e sem nenhum espaço para transição.
Um comércio livre internacional significava dependência da Inglaterra de fontes externas, uma vez que esta estaria disposta a sacrificar sua agricultura para estar nessa nova vida comercial vagamente concebida. Significaria também que esta “comunidade planetária teria que ser pacífica”; caso não fosse, a força naval inglesa faria com que assim acontecesse. E, por último, que muitos deslocamentos industriais ocorreriam.
É necessário entender duas idéias. A primeira é que o laissez-faire só seria possível se modificasse profundamente na sociedade os três pilares: mercado de trabalho competitivo, padrão-ouro automático e comércio internacional. Ou todos eles eram modificados, ou não seria possível um mercado realmente livre e mundial.
A segunda idéia é que “não havia nada natural em relação ao laissez-faire”. Exemplo disso é que o laissez-faire foi imposto pelo estado tanto quanto as manufaturas de algodão “foram criadas com a ajuda de tarifas protetoras, de exportações subvencionadas e de subsídios indiretos dos salários”. O ponto chave para entender o texto de Karl Polanyi está na página 144 quando ele diz: “O liberalismo econômico era um projeto social que deveria ser posto em prática para grande felicidade do maior número de pessoas; o laissez-faire não era o método para atingir alguma coisa, era a coisa a ser atingida”. E sobre as intervenções do estado, argumenta que “a legislação nada podia fazer diretamente (...) mas isso não significava que o governo não podia fazer alguma coisa”. Ainda vai lembrar que Betham acreditava que a influência da legislação nada significa perante a ajuda do ministro da polícia.
Para o sucesso econômico precisava-se de inclinação, conhecimento e poder. A inclinação ficaria no ramo do privado, enquanto as outras duas seriam mais facilmente manejadas pelo estado. “O liberalismo bethamita significava a substituição da ação parlamentar pela ação dos órgãos administrativos”. Como prova disso vai citar Local Government in England: “Os movimentos revolucionários de 1785 e de 1815/1820 foram combatidos (...) pela legislação parlamentar”, informando sobre a suspensão do Habeas Corpus Act, votação do Libel Act e do Six Act. Como uma fábrica numa manufatura moderna, a máquina administrativa também tornou-se complexa, fragmentária e que precisava de reparos e adaptações.
“Tornar a liberdade ‘simples e natural’ de Adam Smith compatível com as necessidades de uma sociedade humana era tarefa assaz complicada” (p-145). “Assim como (...) a invenção da maquinaria que economizaria trabalho não diminuíra mas, na verdade, aumentara a utilização do trabalho humano, a introdução dos mercados livres, longe de abolir a necessidade de controle (...), incrementou enormemente seu alcance”.
Isso será o gancho para fazer cair a argumentação dos liberalistas de que as medidas considerados coletivistas foram um espécie de movimento organizado e deliberado. “Toda a filosofia liberal social gira em torno da idéia de que o laissez-faire foi um desenvolvimento natural, enquanto a legislação ‘anti-laissez-faire’ subseqüente foi o resultado de uma ação propositada por parte dos que se opunham aos princípios liberais”. A partir deste ponto, Polanyi vai traçar as linhas em que esses movimentos coletivistas se desenvolveram. Vai descrever também como os movimentos geraram modificações tão profundas na sociedade, que de forma muito espontânea, vários setores, de vários países e com as mais variadas tendências aderiram mais ou menos uma postura de intervenção. O autor argumenta que é nos anos 40 que essa postura sofre maior derrota. Grã-Bretanha e Estados Unidos ainda guardavam o liberalismo em vários setores, o que provou ser uma desvantagem no combate e um favorecimento da precipitação da guerra.
“Tanto na Grã-Bretanha como nos Estados Unidos milhões de unidades de negócios independentes deviam sua existência aos princípios do laissez-faire eu o fracasso (...) em uma determinada área não destruiu sua autoridade”, vai argumentar a respeito da importância da prática do “deixar fazer”.
Polanyi diz que os defensores do liberalismo argumentam que “se não fossem as políticas apoiadas pelos seus críticos, o liberalismo teria atingido sua meta”. Insistem que “a raiz de todo mal (...) foi a interferência com a liberdade de emprego, comércio e moedas praticadas pelas várias escolas de protecionismo social”, chegando mesmo a acreditar que foi a “cegueira do povo trabalhador em relação ao benefício final de uma liberdade econômica irrestrita” que causou os grandes problemas pelos quais eles mesmos passaram.
“O contra-movimento coletivista (...) deveu-se (...) ao alcance mais amplo dos interesses sociais vitais afetados pela expansão do mecanismo de mercado” A seguir, vai dar três razões pelas quais os argumentos dos aliados do liberalismo não se sustentam. “Primeiro, existe a surpreendente diversidade dos assuntos aos quais a ação se fez sentir”, citando também uma lista de intervenções feita por Herbert Spencer em 1884. Essa lista foi usada para justificar a “conspiração”, mas Karl Polanyi nos diz que “a maioria daqueles que punham em prática essas medidas eram partidários convictos do laissez-faire”.
“Segundo, a mudança de soluções liberais para ‘coletivistas’ ocorria às vezes da noite para o dia, e sem qualquer conscientização por parte dos que se engajavam no processo”.
“Terceiro”, “a Inglaterra e a Prússia eram pólos a parte, muito diferentes da França ou do Império dos Habsburgos. No entanto, cada um deles passou por um período de livre comércio e laissez-faire, seguido por um período de legislação antiliberal em relação à saúde pública, condições fabris, comércio municipal” entre outras. “Sob os lemos mais variados (...) uma multidão de partidos e estratos sociais colocou em funcionamento medidas quase exatamente iguais”.
“Quarto”, “em várias ocasiões, os próprios liberais econômicos defendiam restrições à liberdade do contrato e do laissez-faire em um número de casos bem definidos”, corroborando a idéia de que seria impossível uma conspiração mundial abarcar inclusive membros liberais convictos.
O autor vai finalizar o texto dizendo que liberalismo e laissez-faire muitas vezes mostravam-se excludentes. Uma liberdade total significaria, por exemplo, que corporações de negócios poderiam juntar-se e decidir pelo aumento dos preços de produtos, o que estaria em oposição à lei do mercado livre. Karl Polanyi termina o texto dizendo que “o único princípio que os liberais econômicos podem manter sem cair em contradição é o do mercado auto-regulável, quer ele os envolva em intervenção ou não”.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

1º Fichamento – BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. “Introdução: Modernidade – ontem, hoje, amanhã”

1º Fichamento – BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. “Introdução: Modernidade – ontem, hoje, amanhã” (p. 24 – 49). São Paulo, Companhia das Letras, 2007.


Na introdução ao livro “Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade”, entitulada “Modernidade – ontem, hoje, amanhã”, Marshal Berman nos diz que “existe um tipo de experiência vital compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo, hoje” a qual ele chama de Modernidade. E prossegue: “ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento (...) – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos”. A modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, une a espécie humana. Porém, nos despeja num turbilhão de desintegração, de luta e de contradição.
As pessoas sentem-se como as primeiras, e talvez as últimas, a passar por isso. Embora possam entender a modernidade como uma ameaça a sua história e tradições, a modernidade desenvolveu uma história e tradições próprias.
O turbilhão da vida moderna tem sido alimentado, diz o autor, por grandes descobertas nas ciências físicas, pela industrialização da produção, que acelera o ritmo de vida, por explosões demográficas, pelo crescimento urbano, pelos sistemas de comunicação de massa, por Estados nacionais cada vez mais poderosos, que lutam para expandir seu poder e por um mercado capitalista mundial drasticamente flutuante. Esses processos compõem a “modernização”.
O autor divide a modernidade em três fases: do início do século XVI até o fim do século XVIII, onde as pessoas começam a experimentar a vida moderna (as pessoas tateiam, segundo o autor, em estado de semicegueira); a segunda começa com a onda Revolucionária de 1790, onde um grande e moderno público toma vida, que, no entanto, não vive uma modernidade completa, vivendo numa constante dicotomia entre o antigo e o novo; e a terceira, no século XX, cuja modernização abarca virtualmente o mundo todo mas que, à medida em que se expande, se multiplica em fragmentos (nessa terceira fase, a modernidade perde sua nitidez).
Então, o autor vai citar Jean-Jacques Rousseau como a grande voz moderna da primeira fase. “Ele é a matriz de algumas das (...) tradições modernas”. Vai, então, exemplificar com a romântica novela A nova Heloísa, onde o jovem herói Saint-Preux realiza um movimento exploratório do campo para a cidade. “Ele experimenta metropolitana como ‘uma permanente colisão de grupos e conluios, um contínuo fluxo e refluxo de opiniões conflitivas. (...) Tudo é absoluto, mas nada é chocante porque todos se acostumam a tudo’”.
Logo, Berman dá um salto de cem anos. Identifica em Nietzsche e Marx as duas vozes que são o símbolo do século XIX. Cita Marx: “A atmosfera sob a qual vivemos pesa várias toneladas sobre cada um de nós – mas vocês o sentem?”. Para ele, um dos principais propósitos de Marx foi fazer o povo sentir, acreditando que, para Marx, o fato básico da vida é que essa vida é radicalmente contraditória na sua base, citando ainda: “Em nossos dias, tudo parece estar impregnado do seu contrário”. Assim, tais misérias e mistérios instilariam desespero na mente dos modernos.
Ainda sobre Marx: “Todas as relações fixas (...) foram banidas: todas as novas relações se tornam antiquadas antes que cheguem a ossificar”. Pelo autor: “O impulso dialético da modernidade se volta ironicamente contra seus primitivos agentes, a burguesia”.
“Para Nietzsche (...), as correntes da história moderna eram irônicas e dialéticas: os ideais cristãos (...) levaram a implodir o próprio cristianismo”. “Amoderna humanidade se vê em meio a uma enorme ausência de valores, mas, ao mesmo tempo, em meio a uma desconcertante abundância de possibilidades” (31-32). Cita Além do bem e do mal para reafirmar que a modernidade é uma “fatídica simultaneidade de primavera e outono”. Assim, as possibilidade, para Marshal, seriam ao mesmo tempo gloriosas e deploráveis, onde todos seríamos uma espécie de caos.
Vai afirmar, na página 33, que Marx e Nietzsche compartilhavam não só o seu ritmo afogueado, sua vibrante energia, sua riqueza imaginativa, mas também sua prontidão em voltar-se contra si mesmos, questionando e negando tudo o que foi dito.
O modernismo do século XIX prosperou e cresceu além de suas próprias esperanças, mas foi o século XX, para o escritor, que talvez tenha sido o mais brilhante e criativo da humanidade. Contudo, é nele também que perdemos a conexão entre nossa cultura e nossas vidas. Se o pensamento com Marx e Nietzsche cresceu e se desenvolveu, “nosso pensamento acerca da modernidade parece ter estagnado ou regredido”.
Vai então defender que os “pensadores do século XIX eram simultaneamente entusiastas e inimigos da vida moderna. (...) Seus sucessores do século XX resvalaram para longe, na direção de rígidas polarizações e totalizações achatadas. A mo¬dernidade ou é vista com um entusiasmo cego e acrítico ou é condenada segundo uma atitude de distanciamento e indiferen¬ça” sendo “sempre concebida como um monólito fechado”.
O autor vai dar voz aos futuristas italianos: “nós afirmamos que o triunfante progresso da ciência torna inevitáveis as transformações da hu¬manidade, (...) cavando um abismo entre aqueles dóceis escravos da tradição e nós, livres modernos”. Diz Berman: “Aí não há ambigüidades: ‘tradição’ (...) se iguala simplesmente a dócil es¬cravidão, e modernidade se iguala a liberdade”. E continua: “Marx e Nietzsche podiam também regozijar-se na moderna des¬truição das estruturas tradicionais; mas eles sabiam bem dós al¬tos custos humanos desse progresso” (36).
“Algumas das mais importan¬tes variedades de sentimentos humanos vão ganhando novas cores à medida que as máquinas vão sendo criadas. Como se lê num texto futurista posterior, ‘nós intentamos a criação de uma espécie não humana, na qual o sofrimento moral, a bonda¬de do coração, a afeição e o amor, esses venenos corrosivos da energia vital, bloqueadores da nossa poderosa eletricidade cor¬pórea, serão abolidos’. Os jovens futuristas lançaram-se naquilo que chamavam de ‘guer¬ra, a única higiene do mundo’, em 1914” (37).
Diz, então, que os futuristas “levaram a celebração da tecnologia moderna a um extremo grotesco e autodestrutivo”. “O problema, como o problema de todos os moder¬nismos na tradição futurista, é que, com esplêndido maquinário e sistemas mecânicos desempenhando os papéis principais (...), resta muito pouco para o homem moderno executar, além de apertar um botão (38).
Contudo, o pólo oposto declara um enfático “Não!” à vida moderna. Vai dizer que no desfecho de A ética protestante e o espírito do capitalismo mo, Weber diz que todo o "poderoso cosmo da moderna ordem econômica" é "um cárcere de ferro". É essa ordem que “determina o destino do homem”. Após, vai dizer que todos os grandes críticos do século XIX compreendem como essa tecnologia condicionam o homem, mas todos criam que o homem moderno saberia combater este mal. Porém, os críticos do século XX careceriam dessa fé nos seus contemporâneos. Weber dirá que estes não passariam de “especialistas sem espírito, sensualistas sem coração”. Palavras do autor: “não só a socie¬dade moderna é um cárcere, como as pessoas que aí vivem fo¬ram moldadas por suas barras”. Somos seres sem ser. Os críticos do “cárcere de ferro” no século XX acreditam que “o cárcere não é uma prisão, apenas fornece a uma raça de inúteis o vazio que eles imploram e de que necessitam” (39).
Para ele, Weber depositaria pouca fé no povo e muito menos nas classes dominantes. “Muitos pensa¬dores do século xx”, dirá, “passaram a ver as coisas deste modo: as mas¬sas pululantes (...) não têm sensibilidade, espiritualidade ou dignidade como as nossas; não é absurdo (...) que esses "homens-massa" (ou "homens ocos") tenham não apenas o direito de governar-se a si mesmos, mas também (...) o poder de nos governar?” (40).
Ainda na página 40, “Mais surpreendente e mais perturbadora é a extensão que essa perspectiva atingiu entre alguns dos democratas participati¬vos da recente Nova Esquerda”. “Tanto Marx como Freud são obsoletos: não só lutas de classes e lutas sociais, mas também conflitos e contradições psicológicos foram abolidos pelo Estado de ‘admi¬nistração total’”.
“Isso veio a ser um refrão familiar no século XX, partilhado por aqueles que amam e por aqueles que odeiam o mundo moderno: a modernidade é constituída por suas máquinas, das quais os ho¬mens e mulheres modernos não passam de reproduções mecânicas” (40-41).
“A volátil atmosfera dos anos 1960 gerou um amplo e vital C01pUS de pensamento e controvérsias sobre o sentido último da modernidade. Muito do que houve de mais interessante nesse pensamento girou em torno da natureza do modernismo. O mo¬dernismo nos anos 1960 pode ser grosseiramente dividido em três tendências (...): afirmativo, negativo e ausente” (45).
Algumas correntes diziam que o modernismo deveria mergulhar em si mesmo e ser uma expressão voltada para dentro. O modernismo, assim, só faria sentido dentro do próprio modernismo. Assim é que na pintura, o único problema relevante diria respeito à planura da superfície. Para Berman, uma atitude assim perante a vida estaria condenada a parecer árida e sem vida em pouquíssimo tempo.
Há também uma visão paralela que diria respeito a um modernismo “interminável, permanente revolução contra a totalidade da existên¬cia moderna: foi ‘uma tradição de destruir a tradição’” (42). Modernismo teria tornado-se palavra sinônimo de revolta.
Para finalizar, diz que “é bem possível que esses primeiros modernistas nos compreendam melhor do que nós nos compreendemos”. É assim que propõe um regresso, na esperança de conseguir olhar com os olhos dos “antigos modernos” para que, assim, possamos nos enxergar melhor. Ou seja, “apropriar-se das modernidades de ontem pode ser, ao inesmo tempo,uma crítica às modernidades de hoje e um ato de fé nas modernidades - e nos homens e mulheres modernos ¬- de amanhã e do dia depois de amanhã”.